O uso da Cannabis com objetivo terapêutico tem aumentado significativamente sendo indicado para as mais variadas doenças e sintomas. Medicamentos à base de canabidiol já podem ser comercializados no varejo farmacêutico
O canabidiol, ou CBD, é uma substância química presente na planta Cannabis sativa. A solução oral de canabidiol é um produto classificado como fitofármaco, isto é, produzido a partir de matéria-prima natural e sem alteração. Ele não é psicoativo, como o Tetra-hidrocanabinol (THC), também presente na planta.
A farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti, explica que os produtos de Cannabis podem ser prescritos quando estiverem esgotadas outras opções terapêuticas disponíveis no mercado brasileiro.
“O uso da Cannabis com objetivo terapêutico tem aumentado significativamente sendo indicado para as mais variadas doenças e sintomas, como dor crônica, náusea e vômito induzidos pela quimioterapia, esclerose múltipla, anorexia nervosa, ansiedade, demência, distonia, doença de Huntington, doença de Parkinson, transtorno de estresse pós-traumático, psicose, síndrome de Tourette, epilepsia, além da Doença de Alzheimer.”
Ela diz ainda que a epilepsia é a principal condição na qual o tratamento com o uso do óleo de canabidiol já é comum e autorizado em vários países. A substância extraída da Cannabis auxilia na diminuição de crises convulsivas, por atuar nos receptores do tipo CB1 do cérebro, que são encontrados, predominantemente, no cérebro e no sistema nervoso central (SNC), o CB2 concentra-se maioritariamente nos órgãos, tecidos, músculos, deslocando-se quando necessário. A especialista ressalta que o canabidiol interage com o sistema endocanabinoide por meio do receptor CB2, oferecendo os efeitos benéficos desejados para as condições apresentadas.
Ela pontua também que o estresse pós-traumático também pode ser tratado com o canabidiol por aliviar os sintomas de ansiedade e o comprometimento cognitivo.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), o canabidiol foi autorizado considerando o sofrimento de crianças e famílias em função da refratariedade ao tratamento convencional para crises epilépticas relacionadas às Síndromes de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut, também no Complexo de Esclerose Tuberosa.
“O metabolismo do canabidiol ocorre no fígado e nos intestinos. A meia-vida do CBD após o contato com a mucosa oral é de 1,4 a 10,9 horas, aumentando para dois a cinco dias após o consumo oral crônico e para 31 horas após ser inalado. O CBD atingirá uma concentração plasmática máxima entre zero e quatro horas, aproximadamente”, esclarece Maria Aparecida.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a regulamentação sobre os produtos de Cannabis foi definida para que eles possam ser prescritos em conformidade com os princípios da ética médica, e comercializados de forma segura enquanto estão sendo concluídos os estudos clínicos.
No Brasil, a primeira autorização da Anvisa para a importação de canabidiol ocorreu em 2015 e quatro anos depois foi criada a categoria dos “produtos derivados de Cannabis”. Aqui, o canabidiol pode ser encontrado na formulação de medicamento registrado ou nos produtos que constituem a categoria denominada de “produtos derivados de Cannabis”. É importante destacar que medicamento e produto de Cannabis são categorias distintas de produtos e a avaliação de indicação de produtos de Cannabis é feita pelo médico que assiste o paciente.
A Anvisa explica ainda que existem dois tipos de produtos regularizados no Brasil: medicamentos com derivados de Cannabis e produtos de Cannabis. Tanto os produtos de Cannabis como o medicamento de Cannabis são de via oral.
Na classe dos medicamentos há um produto registrado: Mevatyl.
Na classe dos produtos de Cannabis temos até o momento: 25 produtos autorizados.
Entenda a diferença
Produtos derivados de Cannabis: não podem ser chamados de medicamentos e não têm indicações específicas aprovadas pela Anvisa. Esta categoria criada pela Anvisa, em 2019, busca abarcar os produtos de cannabis que possuem evidências de benefício, mas que ainda não contam com dados sólidos de eficácia e segurança no nível que se exige para o registro de um medicamento. Portanto, no cenário atual, a indicação e a forma de uso, bem como a população alvo dos produtos à base de Cannabis não são aprovadas previamente pela Agência, ficando a sua definição sob a responsabilidade do médico assistente do paciente.
Já os medicamentos seguiram todo o rito de verificação de eficácia e segurança aplicado a todos os medicamentos. Isso inclui a realização de estudo clínicos para definição de dosagem e indicações terapêuticas, para inclusão destas indicações em bula.
O registro de um produto na categoria de “medicamento” envolve a apresentação à Anvisa de dados sólidos que demonstrem eficácia e segurança, incluídos aí os estudos clínicos (com humanos). O registro de medicamentos é detalhado e prevê uma série de requisitos como estudo clínicos, detalhes sobre método de obtenção da substância ativa, Boas Práticas de Fabricação, entre outros.
Como se dá a venda permitida pelo varejo?
Em quaisquer dos casos (medicamento registrado à base de Cannabis ou produto derivado de Cannabis) a dispensação está condicionada a apresentação de prescrição médica especial, já que se trata de substância controlada.
A venda de medicamentos e de produtos de Cannabis só pode ser realizada por drogarias e farmácias sem manipulação. Desta forma, é necessário que o estabelecimento farmacêutico possua Autorização de Funcionamento (AFE) para a venda de substâncias controladas e licença da autoridade local.
No caso específico da categoria “produtos de Cannabis” formada por produtos que podem ser vendidos no Brasil, as regras variam de acordo com a concentração de tetra-hidrocanabinol (THC). Nas formulações com concentração de THC de até 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B, com numeração fornecida pela Vigilância Sanitária local e renovação de receita em até 60 dias.
Já os produtos com concentrações de THC superiores a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. Nestes casos, o receituário para prescrição será do tipo A, com validade de 30 dias, fornecido pela Vigilância Sanitária local, padrão semelhante ao da morfina, por exemplo.
Vendas de psicotrópicos – como realizar?
Os psicotrópicos são produtos controlados, conforme a Portaria 344/99 e suas atualizações. Desta forma a comercialização e dispensação deste tipo de medicamentos exige que o estabelecimento farmacêutico esteja regular e possua autorização para produtos controlados.
A venda de medicamentos controlados também deve seguir as regras de escrituração para fins de fiscalização.
Cada tipo de receita azul pede uma notificação especial. Essa notificação é emitida junto com a receita para o controle do paciente. No entanto, a notificação B1 é para os medicamentos psicotrópicos e o B2 é para remédios psicotrópicos anorexígenos. Cada notificação se limita a somente um tipo de medicamento. Essa notificação é emitida junto com a receita para o controle do paciente.
Notificação de Receita
A Notificação de Receita é o documento que, acompanhado da receita, autoriza a dispensação de medicamentos à base de substâncias constantes das listas:
• A1 (entorpecentes);
• A2 (entorpecentes de uso permitido somente em concentrações especiais);
• A3 (psicotrópicas);
• B1 (psicotrópicos);
• B2 (psicotrópicas anorexígenas);
• C2 (retinoicas para uso sistêmico);
• C3 (imunossupressoras).
O estabelecimento deverá reter a Notificação de Receita, anotar no verso as informações sobre o medicamento dispensado, conforme legislação vigente, e, quando se tratar de formulações magistrais, também o número de registro da receita no livro de receituário. Em relação à receita, deve-se devolvê-la ao paciente carimbada, comprovando o atendimento. Vale ressaltar que as Notificações de Receita possuem uma sequência numérica fornecida pela Autoridade Sanitária, composta de oito dígitos.
Fontes: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); e a farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti